quarta-feira, 18 de abril de 2012

O legado da Rio+20

Fabio Feldman
Estamos há poucas semanas da Rio+20 e ainda pendem muitas dúvidas sobre a reunião, quer do ponto de vista logístico, quer do ponto de vista de conteúdo.
No âmbito das Nações Unidas, a discussão do draft zero, "The future we want", se torna cada vez mais difícil na medida em que o documento cresce a cada dia. Ele possui 128 itens, o que revela, no mínimo, absoluta falta de foco.
O Brasil, como país anfitrião, tem tido uma posição tímida em relação ao conteúdo por duas razões: não quer desagradar ninguém e, com isso, garantir "quorum" na reunião e também aumentar o apoio ao seu pleito de integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Vejo nesta posição um grande risco porque o sucesso da reunião depende claramente de se avançar em alguns temas importantes e, na medida em que chefes de Estado não acreditam no sucesso dela, ficam menos dispostos a vir ao Brasil.
Temos que estabelecer um ciclo vicioso, colocando um conteúdo mínimo de avanços e, com isso, estimular os chefes de Estado a compartilhar desse sucesso.
Até o momento, há um esforço inaceitável de se diminuir a dimensão ambiental do conteúdo, com ênfase na erradicação da pobreza e nos aspectos sociais.
O governo brasileiro quer mostrar os avanços obtidos nos últimos anos, aliados à visão desenvolvimentista de países em desenvolvimento, fixados no paradigma de Estocolmo em 1972: na prática, o crescimento econômico a qualquer custo e a miséria como a pior poluição.
Se há algum mérito no conceito de Desenvolvimento Sustentável é o esforço de compreender que a falta de cuidado com o meio ambiente hoje, representa um grande ônus social amanhã. Ou seja, ao se incorporar uma dimensão de médio e longo prazo, não há incompatibilidade entre o ambiental e o social.
O melhor exemplo está na conclusão do Relatório de Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial, que demonstrou que a falta de ações de combate ao aquecimento global terá um custo muito maior em termos futuros.
Calcula-se que, com o investimento de apenas 1% do PIB mundial, é possível evitar a perda de 20% do mesmo PIB num prazo de simulação de 50 anos.
Podemos concretamente mostrar exemplos simples no cotidiano: a ocupação de encostas agrava os riscos de deslizamentos que, de tempos em tempos, ocupam as manchetes da mídia; a falta de boas políticas públicas de conservação de energia e água representa enormes investimentos públicos que poderiam ser utilizados para melhorar o padrão da educação pública brasileira e mais, estímulos à indústria automobilística diminuem a mobilidade nas grandes e médias cidades do Brasil e do mundo.
Sob a liderança do Embaixador Rubens Ricupero e de Celso Lafer, houve um encontro com o vice-presidente da República Michel Temer, com o objetivo de se solicitar à Presidência da República um empenho pessoal nestas poucas semanas que restam antes da Rio+20.
Nesta ocasião foi citado o esforço do então presidente Fernando Collor para garantir o sucesso da Rio 92. Certamente a presidente Dilma está diante de uma oportunidade de deixar um grande legado do seu governo para o Brasil e o planeta.
Mas, para isso, deve fazer o seguinte exercício: o que, de fato, deve ocorrer em junho para que na Rio+40 possamos olhar para trás e ter a certeza de que fizemos a nossa parte?
Por Brasil Econômico - Fábio Feldmann
Fabio Feldmann é consultor em sustentabilidade
 
 
Rio+20 e a governança ambiental global
Cresce a expectativa em torno da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá em junho no Rio de Janeiro. Diante da importância que o meio ambiente assumiu na agenda internacional, decisões relevantes são esperadas, de maneira a promover, de modo significativo, o desenvolvimento sustentável no planeta.
Um dos temas que vem provocando interesse e controvérsia no documento base da Rio+20 diz respeito à governança dos temas ambientais na estrutura da ONU. Há consenso sobre sua prioridade nas discussões; subsistem, entretanto, dúvidas e divergências quanto ao formato que ela deve assumir. De um lado, países europeus defendem a criação de uma organização internacional, a Organização Mundial do Meio Ambiental (OMMA) que, nos moldes de outras entidades (Organização Mundial do Comércio, Organização Mundial da Saúde), substituiria o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado em 1972, na Conferência de Estocolmo. Segundo seus defensores, tal ação fortaleceria politicamente o organismo, aumentaria seu orçamento e tornaria suas decisões muito mais efetivas no âmbito internacional. Em posição oposta, estão aqueles que rejeitam mais um órgão burocrático, que poderia interferir em políticas internas e até encobrir ações protecionistas de países ricos.
Existe consenso sobre a inserção da gestão ambiental na ONU; as divergências são sobre a forma que deve assumir
Mas, afinal, o que de fato significa governança ambiental global? Trata-se de uma expressão repetida com frequência nos últimos tempos, mas nem sempre compreendida em sua devida dimensão. Grosso modo, poder-se-ia defini-la como a arquitetura do sistema de gestão internacional do meio ambiente. A palavra arquitetura é bem expressiva, na medida em que traduz o desenho da organização e o projeto de administração dos problemas relativos ao meio ambiente, especialmente no que diz respeito à forma com que eles serão tratados.
Governança é, porém, mais do que um simples conjunto de formatos de gestão. Na realidade, ela se desdobra em quatro planos, que a definem de modo muito mais preciso. Em primeiro lugar, é preciso não perder de vista, quando se menciona a governança global, seu caráter instrumental. Ela é meio e processo capaz de produzir resultados eficazes. É ferramenta importante para a solução de problemas globais, ao mesmo tempo em que sua efetivação desencadeia processos (muitas vezes longos e complexos) através dos quais as questões envolvidas são tratadas. Nessa linha, a Comissão sobre Governança Global, criada pela ONU no começo dos anos 1990, definiu governança como "a totalidade das maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns".
Governança só existe com participação ampliada em todos os processos (diagnósticos e estudos preliminares, articulação de interesses, discussão dos problemas, análise das alternativas, tomada de decisões, implementação e monitoramento/controle). Nesse segundo importante ponto, fica evidente que a governança se distingue dos mecanismos clássicos do Direito Internacional (onde apenas sujeitos de direito, como os Estados nacionais ou as Organizações Internacionais, participam). A efetiva Governança Ambiental Global exige, portanto, a presença e o envolvimento ativo de Estados e organismos internacionais ao lado da sociedade civil, representada pelas organizações não governamentais (ONGs), empresas transnacionais e a comunidade científica.
Enquanto as ações governamentais são baseadas na coerção, na obrigação de cumprir, os fundamentos da governança estão no consenso e na cooperação. Esse é o terceiro aspecto que caracteriza os processos que envolvem os diferentes atores na efetivação da Governança Ambiental Global. Mesmo em face de divergências (como entre países ricos e em desenvolvimento na questão das mudanças climáticas e redução da emissão de gases de efeito estufa, ou nas disputas entre empresas e ONGs), o objetivo central é sempre construir pontos comuns capazes de trazer avanços, em muitos casos para superar a anarquia do sistema internacional ou minimizar dilemas de ação coletiva, onde alguns buscam evitar os custos de cooperar sem deixar de usufruir dos benefícios.
Finalmente, não há governança sem um conjunto de instituições internacionais, ou seja, de princípios, regras e normas, formais ou informais, que buscam dar conta dos problemas, balizar comportamentos e estabelecer metas para controle e limitação de ações predatórias ou ameaçadoras ao meio ambiente.
Pôr em pé o edifício da Governança Ambiental Global é tarefa inadiável da agenda internacional. Sem ela, é impossível imaginar a possibilidade de avanço na proteção do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. A Organização Mundial do Meio Ambiente pode ser um elemento importante para sua construção. Não é, porém, o único caminho. Nesse sentido, a posição da diplomacia brasileira é interessante e realista. Critica a criação de uma agência ambiental mundial, como ressaltou o embaixador André Corrêa do Lago em entrevista ao Valor (16/2/2012), mas aponta uma alternativa: uma agência internacional sobre desenvolvimento sustentável, para tratar de modo equilibrado e simultâneo problemas econômicos, ambientais e sociais.
Meio ambiente não é um problema isolado, que diz respeito exclusivamente a qestões de poluição, biodiversidade ou mudanças climáticas. Por meio da ideia do desenvolvimento sustentável, o ambiente articula-se com as várias dimensões: cultural, política, econômica e social. E, durante a Rio+20, é preciso não esquecer, em nenhum momento, que a Governança Ambiental Global é o meio essencial para sua promoção. (Valor Econômico – Alcindo Gonçalves)
Alcindo Gonçalves é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e coordenador do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da Universidade Católica de Santos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário